A obsolescência humana de fato ocorrerá?

Previsões e utopias sobre o futuro não são nenhuma novidade, sendo a maioria com uma visão não tão favorável à sociedade e seu sistema, assim como as críticas política e ideológica clássicas exploradas por Huxley e Orwell. Em contraponto, abordado de forma mais científica ao reconstruir a trajetória da humanidade de um jeito sincero e pautado em muitas teorias da evolução, Yuval Noah Harari retrata o futuro de forma mais verossímil.

No entanto, sua visão não é tão positiva quanto ao que nos aguarda. Professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, Yuval percorre em seu livro Sapiens – Uma breve História da Humanidade o caminho trilhado pelo Homo Sapiens e como suas atitudes alteraram o rumo do que viria a ser a sociedade.

Uma das revoluções que possibilitou estarmos onde estamos hoje foi a Revolução Cognitiva, isto é, quando o homem se destacou do animal ao ter a habilidade de criar a ficção. Foi esta capacidade que permitiu ao homem cooperar para atingir objetivos e com isso passou a estar no topo da cadeia dos predadores. Essa capacidade de inventar e de acreditar em coisas que não existem conduziu ao surgimento das crenças religiosas e de sistemas políticos e de hierarquia presentes nas culturas ao redor do planeta.

Dinheiro, leis e religões são ideias, coisas inexistentes, criadas para guiar o homem em sua convivência com outros. O que impressiona é que as pessoas de fato acreditam nisso e é isso que faz com que cooperem entre si, por ´´algo maior´´, um objetivo comum. No âmbito religioso e político, Max Weber explorou como o protestantismo moldou a lógica capitalista e assim previu algumas alterações decorrentes disso na sociedade – o que ainda é refletido com a maneira atual na qual o mundo é regido pela economia e enfrenta crises políticas e de identidade, tanto discutidas pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman.

Com o passar de vários milênios, chegamos a um ponto no qual a inteligência artificial está a superar a humana, dado que as evoluções do homem são lentas e progressivas – um fator que demonstra isso é que até hoje possuímos a mente de caçadores-coletores, como afirma Harari. O mundo ao nosso redor evolui mais rápido que o nosso corpo e uma forma de lidar com isso é através do uso da tecnologia para ampliar o potencial humano. McLuhan, teórico da comunicação canadense, já antevia isso na década de 1960: que a tecnologia seria um apêndice humano.

Isso é inegável, é só observar a relação que as pessoas ao seu redor têm com seus Smartphones. São praticamente extensões de seu corpo (de sua memória, de sua sabedoria, de sua capacidade de processamento, etc).  O teórico defende ainda, que novas tecnologias transformam a sociedade em todos os níveis, inclusive institucional, social e individualmente.

Yuval tem seu pensamento em convergência com essa percepção. Por isso, fala da classe ´´dos inúteis´´ em seu livro, que surgirá até 2050. Muitos dos empregos e profissões hoje existentes tendem a deixar de existir, em contrapartida, outras devem surgir. O problema crucial não é criar novos empregos, mas sim trabalhos nos quais humanos conseguem ser melhores que os algorítimos. Quem não se inserir nisso, não estará apenas desempregado, mas não será empregável.

O professor aponta como solução os games de realidade virtual, já que o homem precisa de um propósito para não enlouquecer, visto que desde os primórdios o pensamento humano cria significados antes inexistentes para as coisas. Suas necessidades básicas seriam supridas por um sistema de renda básica universal e assim, esses jogos denominados ´´religiões´´ atuariam como substitutos da típica rotina de trabalho, alterando a estrutura na qual a sociedade atualmente se encontra, quebrando a visão que valoriza apenas quem trabalha inúmeras horas – que surgiu com a ética protestante e precedeu o capitalismo em sua fase inicial.

Essa quebra de paradigma praticamente exalta que o humano se tornará obsoleto para realizar diversos trabalhos – no sentido que, uma máquina poderá fazer a mesma coisa de forma melhor e mais efetiva. Entretanto, também afirma como a tecnologia será essencial para lidar com as questões humanas de busca de sentido e propósito. Não se sabe até que ponto isso é bom ou ruim – no ponto de vista pessimista da série Black Mirror pode ser algo ruim. Porém, o ócio era algo muito apreciado por aristocracias, que podiam dedicar seu tempo aos estudos, aprendizados e fruições da vida justamente por não dependerem do trabalho. Será que essa classe dos inúteis terá uma condição semelhante à isso?

Você já parou para pensar quais serão as profissões extintas? Imagine a situação na qual você compra em um site e nesse exato momento um único robô processe o pedido, efetue a logística, selecione o pedido no estoque e já prepare um novo fornecimento do que será entregue na porta de sua casa. Além de um sistema de entrega autônoma e uma inteligência que prevê a compra, isto é, traça o perfil do consumidor e entrega algo que ele provavelmente consumiria. Quantas pessoas não foram substituídas nesse processo? Mas o que deve-se questionar é: até que ponto o humano é substituível e quais são as áreas que serão mais afetadas por isso?